Ponderações sobre o art. 894 do anteprojeto de novo CPC (NCPC). A ação anulatória no NCPC. Fredie Didier Jr.

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Texto de Fredie Didier Júnior:

 

Tenho examinado o anteprojeto de NCPC.


Boa parte do texto atual é mantida, mas há propostas de mudanças que merecem ponderações mais delongadas.


A remodelagem da ação anulatória atualmente prevista no art. 486 do CPC é uma delas.


O NCPC mantém as decisões que homologam autocomposição como decisões de mérito (art. 469, II, III e V) e mantém a regra de que essas decisões tornam-se indiscutíveis pela coisa julgada material (arts. 483-484).


O art. 492, III, preserva a possibilidade de execução de acordo homologado judicialmente, considerado título executivo judicial.


Perceba, ainda, uma peculiaridade: o acordo extrajudicial pode ser título executivo extrajudicial, na forma do art. 710, III, NCPC, cuja defesa do executado pode ser ampla (NCPC, art. 838, V). A homologação judicial deste acordo, portanto, tem a utilidade de restringir a matéria de defesa do executado aos limites do art. 496 do NCPC.


Mas se propõem mudanças no sistema de controle da coisa julgada material que são dignas de registro e revelam certa desarmonia do anteprojeto.


Não há mais referência à hipótese de rescindibilidade atualmente prevista no inciso VIII do art. 485 do CPC: quando houver motivo para invalidar confissão ou autocomposição em que se baseia a decisão judicial rescindenda.


O art. 894 do NCPC, porém, determina que os "atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo estão sujeitos à anulação, nos termos da lei".


Assim, a autocomposição (transação, renúncia ou reconhecimento da procedência do pedido), que se efetiva por meio de negócios jurídicos pelos quais se dispõem de situações de vantagem, pode ser invalidada como qualquer negócio jurídico.


Até aí, nenhuma novidade: dá-se um texto mais bem escrito à norma que se extrai do art. 486 do vigente CPC.


Mas a ação anulatória do atual art. 486 do CPC tem como pressuposto a inexistência de coisa julgada material. Se há coisa julgada material, o caso é de ação rescisória (art. 485, VIII, CPC). Se não há coisa julgada material, não cabe a rescisória, mas é possível invalidar o ato jurídico da parte. O sistema está muito claro no atual art. 352 do CPC.


Como se viu do anteprojeto, não houve mudança no sistema da coisa julgada material. Não há razão para a exclusão desta hipótese de rescindibilidade, pois.


Expliquemos.


Uma vez homologada, a autocomposição passa a ficar acobertada pela coisa julgada material, como dito.
A pergunta que me faço desde o momento em que li a proposta legislativa é a seguinte: será que ainda assim ela poderá ser invalidada?


Como ficaria o título executivo judicial mencionado atrás? Há antinomia, pois se é possível discutir a sua validade, não há a limitação à cognição na sua execução, anunciada no art. 496 do NCPC. Há ou não limitação de cognição? Se não houver, não há distinção entre esse título judicial e aquele previsto no art. 710, III, NCPC, o que torna os dispositivos ociosos, em retrocesso legislativo totalmente desnecessário.


Não haveria diferença no regime jurídico da estabilidade de um negócio homologado judicialmente e de outro não homologado? Dar a esses negócios o mesmo tratamento é solução inaceitável.


O texto nada fala sobre a invalidação da decisão que homologa esse negócio (apenas menciona a invalidação do negócio); assim, essa decisão somente poderá ser revista se o ato homologado for suscetível de invalidação? E se o defeito existir na homologação, não caberá revisão da coisa julgada material?


O texto menciona apenas a anulação (vícios de consentimento, lesão e fraude contra credores). Estão fora as hipóteses de nulidade do negócio jurídico? Não há razão para excluí-las.


Observe-se que o parágrafo único deste artigo expressamente prevê uma ação anulatória de decisão judicial homologatória na execução.


Há diferença entre a homologação feita durante o processo de execução e aquela feita no processo de conhecimento? Parece-me que não há qualquer diferença. Parece que se partiu da falsa premissa de que não há cognição na execução e, pois, daí não pode advir coisa julgada material. A doutrina brasileira contemporânea superou esses dogmas, já com certa tranqüilidade.


Também aqui só há menção à ação anulatória; estão excluídas as hipóteses de nulidade? Não há razão para isso também.


A ação anulatória passa a ter dois alvos, completamente distintos entre si: a) negócios jurídicos dispositivos; b) decisões homologatórias em execução.


Não há qualquer coerência no regramento. A regra não é boa. É preciso acrescentar um item às hipóteses de rescisória, mantendo o regramento atual, apenas com a correção da equivocada redação do inciso VIII do art. 485, CPC. É preciso deixar claro que a decisão acobertada pela coisa julgada material pode ser revista por ação rescisória. A ação anulatória deve ser mantida como instrumento de controle da validade dos atos processuais das partes, não sendo permitida se já houver coisa julgada material.

quinta-feira, 17 de junho de 2010


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